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Aventura: Crítica


por André Barcellos
sobre À L’ aventure, de Jean Claude Brisseau
Se “o Belo é a promessa da Felicidade”, como fala Baudelaire, citando Stendhal, em seu Pintor da vida moderna, a Arte, produção humana que deve sempre contê-lo, é necessariamente (mesmo que inconsciente disso) teológica: no caminho para Deus, ou em busca Dele. E, acreditando nisso, no fato de que a Arte contém algo de eterno, algo que em um último estágio deve ser contemplado fora de contexto, de relação com a matéria, algo que pode e deve ser recebido como concreto e livre da crítica (o Belo em si), atribuo-me o trabalho de abordar À L’ aventure, de Jean Claude Brisseau, a partir do problema do gozo, enxergando-o no filme sob o tema e sob a forma, como não deveria deixar de ser.
Inicialmente é necessário deixar claro o que entendo por Deus neste exato momento: motor imóvel, ato puro, eterno, uno, a partir do qual toda a matéria é posta em movimento; substância subsistente “não concebível para a mente humana”, como fala o taxista que Sandrine conhece logo no início da estória. De igual importância para o desenvolvimento do raciocínio, o conceito de felicidade que me obriga a entender a Arte como teologia é o de Santo Agostinho: a verdadeira felicidade provém da sabedoria, e o sábio é aquele que não deseja o que pode vir a perder. Esse “algo” concreto que, quem possui, nunca perderá, é a plenitude, a vida em Deus, entrega total de si.
À L’ Aventure é a estória da busca por essa contemplação pura, independente da linguagem, sendo por fim silêncio (como é filmado o êxtase místico de Mina); em confronto com o vazio (que o taxista, intelectualmente, vê na matéria), com o gozo sexual: falsa felicidade: sua atualidade esvai-se sempre se tornando novamente potência; esta, no entanto, é vista como caminho necessário àquela Felicidade, já que na existência cambaleamos necessariamente entre potência e ato, como leio em Tomás de Aquino. A experiência sexual, portanto, no filme, nunca será suficiente. Sempre se procurará aumentar a dose, porque logo se perde o que se possuiu.
O êxtase místico, essa clarividência imutável, fará com que Mina resolva ir para um convento. Ela nunca mais aparecerá no filme (“Ela já não fala”, conta Sandrine): como filmar alguém que passou por essa experiência e que agora, subtraindo-se de nós, criaturas intelectivas, possui o entendimento daquilo que a filosofia e todo tipo de conhecimento humano busca em última análise – o que somos? Ela já não possui conflitos, dúvidas. Sua luz é maior que a que a câmera lhe pode proporcionar. Dessa forma é impossível filmá-la, impossível frutificar algo do já resolvido, do já completo.
Do lado oposto, os personagens que não (re)conheceram a plenitude continuam a ser mostrados, mas sob uma clareza tão forte, que eles perdem o encanto, a força que possuíam ao começo e que se vai desfazendo com o tempo. Porque o filme é um caminho dos personagens a um entendimento de sua própria pequeneza e nequícia, e ao resultado disso na sua aparência; ao entendimento de sua potência e não-atualização definitiva desta, devido à sua condição no mundo: condição de escravos da cultura, da relação, e do seu conseqüente condicionamento. Esses outros personagens apegam-se ainda a um entendimento intelectual, bruto, muito contaminado pela razão, pela linguagem, que nunca consegue exprimir a essência pura, sempre dependendo da existência. Dessa forma eles ainda devem ser resolvidos, postos em confronto, de seus conflitos podendo o Belo surgir novamente. Porque à Luz não se adiciona luz, e nem mesmo é possível contemplá-la em Si. Essa é a trivialidade sobre a qual Baudelaire discorre: a trivialidade necessária para a percepção do Belo, sem a qual não poderíamos apreendê-lo, não o suportaríamos.
A vontade de simplicidade do filme, de moderação – medida exata, livre de excesso e de falta – aproxima-se da vontade da experiência do gozo místico: o encontro com Deus, totalmente simples. O cinema, como qualquer ritual religioso, como o ritual sexual que o filme explora como tema e como forma, depende sempre de uma vontade organizadora prévia. A hipnose que Gregory pratica em Mina é apenas uma introdução ao gozo místico, este exercido finalmente por uma força desconhecida, fugindo ao controle do psicanalista que o possuía ao alcançar o gozo sexual, dependente de carícias, de relação, de matéria. Quase poderíamos dizer então que não importa o suporte – cinema, religião, etc.. O que importa é o ritual organizador, a estética: a impossível separação entre conteúdo e forma. A obediência (necessária em todos os rituais), ao psicanalista ou a um superior religioso ou ao encenador (todos de certa maneira exercendo a mesma função), é um primeiro passo para algo mais profundo que a liberdade, como diz Mina: ao parar de pensar, suas defesas interiores caem e ela pode encontrar verdades mais imediatas anteriormente escondidas.
Não entrarei na velha discussão sobre ser o encenador (ou qualquer verdadeiro artista) um demiurgo. Se não está claro que minha posição é oposta a essa idéia, fá-lo-ei em uma palavra: O encenador é um artesão, um mediador, um organizador da matéria-prima que tem em mãos: o mundo. A necessidade de harmonizar os elementos que utiliza é evidente: sem isso, qualquer coisa de Real que possa surgir do inesperado, do espontâneo, da falta de controle do mortal homem, poderia ser confundida com uma de suas vontades narcisistas bobas espalhadas na obra. Pelo contrário, ele deve buscar a perfeição, e caso não o faça deve ser desprezado por sua falta de respeito e humanidade.
Talvez seja esta a função da Arte, considerando as condições em que vivemos: uma liberdade assediada por todas as nossas necessidades, e muitas vezes suprimida pelas “forças do antagonismo” (a divisão de classes e todos os seus iguais em diferentes regimes e aparições). A função de nos fazer enxergar, da forma mais imediata possível, algo de real, de essencial. Através do equilíbrio das forças, e das formas, ela nos dá uma breve visão da nossa posição no universo, na vida: emoção estética. Transcendência.
A última cena é assombrosa na sua certeza: Sandrine e o taxista contemplam a paisagem natural erma aos fundos da casa deste. Sem os vermos, enquanto acompanhamos, nós, um movimento de câmera contemplativa da mesma natureza, ele pergunta o que a paisagem a inspira: “uma sensação de calma e harmonia” diz ela com uma espécie de diluição da voz no espaço. Ele concorda, “mas, como você sabe, é antes de tudo um vazio, ainda que ao mesmo tempo cheio de plantas e insetos e milhares de animais que devoram uns aos outros para sobreviver. O equilíbrio e a harmonia dependem de um nunca acabar de selvageria e assassinato.” É impossível (para mim, ao menos) ver no filme, nesse plano, o enunciado do homem. Há ali uma auto-completude, uma verdadeira sensação de harmonia que não é natural, que não provém da paisagem, mas do olhar que o filme lança sobre ela, descobrindo-a numa amplidão que os sentidos desatentos das nossas preocupações mundanas nunca darão conta. A dúvida que ele expressa em suas últimas palavras, sobre o que somos, é a dúvida do homem, é sua condição eterna de busca pela Felicidade da qual a Arte é uma promessa. A imagem do filme, como unidade, é diversa do discurso de seus personagens. Naturalmente: a única certeza personificada (Mina), em À L’ Aventure, calou-se.
E o seu título não diz respeito à outra coisa senão à aventura do homem no mundo, desejoso pelo regresso à pátria da qual ele não lembra, mas se sente impelido a re-conhecer. A Arte é o que chega mais perto desse contato; a Arte em tudo em que ela pode existir: ou, para melhor dizer, sempre onde existe o gosto desinteressado pela contemplação da perfeição que nos foi há tempos, e para sempre neste mundo, suprimida.
IN: http://www.punctum.ufsc.br/?p=492 acessado no dia 25/06/2011 às 00:45.

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